sábado, 8 de dezembro de 2007

A Copa da ação política

De um movimento político, a última Copa Jabá virou uma disputa acirrada. Aqui, trazemos dois pontos de vista sobre aquilo que faz a competição: os jogos e a arquibancada.


NARRAÇÃO nem só de Galvão Bueno vive a Copa Jabá

por Yuri Leonardo

Na arquibancada, alguns se reúnem em pequenos grupos para conversar, beber ou simplesmente assistir. Logo abaixo, um dos times, com uniforme de uma cor berrante e preto, se agrupa em círculo, enquanto o time adversário, vestindo uma mistura estranha de cores chamativas, acerta chutes a gol, ensaiando jogadas antes do início da partida. O juiz, de bermuda e chinelo, se posiciona. Após alguns instantes, alguém se apossa do microfone da cabine de narração improvisada (leia-se: uma caixa de som, microfone, três ou mais fanfarrões e copos ocasionalmente cheios), gritando: “cadê a cachaça, carai?!”. A maioria não nota, tampouco os narradores, mas o jogo já começou.

As noites de Copa Jabá se iniciam com os jogos femininos. Próximo ao banco de reservas percorrem gritos de incentivo, copos de vinho, namorados e os amigos de quem joga no momento. Tudo serve de incentivo para a melhoria do desempenho das moças em campo, inclusive os gritos dos narradores quando a bola escapa para a lateral – momento tão famoso e esperado pelo público masculino.


À primeira vista, para um apreciador iniciante do Futebol Jabástico, tudo pode parecer muito agitado. No entanto, a Jabá era muito mais animada, com a Quadra do CEU
quase lotada, como afirmou Thiago “O Zé” Rodrigues durante um jogo e outro do bloco feminino. Para ele, certamente o movimento diminuiu por conta da falta de vivência na universidade por conta dos alunos, coisa de dois anos pra cá. Também alerta: a Jabá está se transformando em algo muito sério.

Instantes depois da conversa, uma das garotas gira em parafuso no ar e se esborracha no chão da quadra após uma falta cometida pelo time adversário. Quedas, caneladas e empurrões se repetem ao longo dos jogos femininos e prosseguem durante nos jogos masculinos. Desentendimentos acontecem em meio ao calor da partida, talvez resultado do grande clima de competitividade que tomou o evento, originalmente criado com um propósito de integração e descontração. Felizmente, tudo se resolveu, ou quase: o preço da competição foi uma pequena coleção de braços enfaixados e hematomas à mostra no CH 2, dias depois do fim da copa.



GUADALAJARA As meninas do Divas entram pra jogar com coreografia especial


por Roger Pires

Em razão dos rumores de desativação da Quadra do CEU, essa Copa Jabá foi realizada às pressas. O torneio corria o risco de ser interrompido pela ocupação da Quadra, mas isso não aconteceu. Os participantes foram avisados com aproximadamente uma semana de antecedência e tiveram que montar as equipes e arranjar os uniformes rapidamente para poder jogar mais uma Jabá. A maioria dos times apenas mobilizou os mesmos jogadores da edição passada e usou o mesmo uniforme. Mas alguns “contrataram” novas pessoas e fizeram novos uniformes.

Na semana pré-copa as línguas não paravam, comentários aqui, provocações ali, promessas acolá... Mas nada passava do limite do respeito. Ao conhecer os adversários da primeira fase dos seus times, os jogadores começaram a calcular os possíveis resultados e se preparar para as partidas. Alguns times foram como favoritos e outros, antes mesmo da copa começar, eram considerados inofensivos.

Na sexta-feira, dia 14/09, começou a copa. Como foi o dia do meu primeiro jogo nessa copa já tradicional do calendário do curso, a ansiedade tomou conta. Apesar de não valer nada materialmente, vencer uma Copa Jabá é uma questão de conquista pessoal para quem joga pensando em ganhar, mas só de participar já é uma sensação muito válida. Além dos jogos, há um integração entre as pessoas que jogam e aquelas que vão apenas assistir, afinal, durante a semana do evento, os assuntos mais em alta nas rodas de conversa são os acontecimentos da Jabá.

Nessa edição, o pessoal compareceu para prestigiar o evento e se divertir com a narração das partidas. As bebidas alcoólicas foram onipresentes. O fato de os jogos acabarem aproximadamente às 22h, infelizmente afastou uma grande parte dos estudantes.

O Saldo final da Copa Jabá 2007.2 foi muito positivo, apesar das contusões de alguns comunicólogos. Não somente pelas apresentações esportivas, em que Uó [Fem] e Shiryu e os C. [ Masc] foram campeões; mas também por essa semana que quebrou um pouco a rotina muitas vezes cansativa de nós estudantes. E que venha a Copa Jabá 2008.1!!!

***

De evento de confraternização, passando como ação política de ocupação da quadra e, agora, rumando para uma competição, a Copa Jabá, neste semestre, distanciou-se um tanto do seu propósito inicial. Contudo, ainda assim o evento nos proporcionou uma integração maior com nossos companheiros de curso, boas risadas com a narração e a performance etílica de alguns em campo, e nos despertou para a consciência da ocupação dos espaços da nossa universidade. Cuidar das contusões sofridas em campo e relembrar o real motivo deste evento são ações que podem nos motivar à construção de uma vivência maior dessa fase de nossas vidas.


página da edição 44, impossibilitada de circular:

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

"O que me incomoda é um modus vivendi doentio"

Da série DIÁLOGOS POSSÍVEIS

por Débora Medeiros

Num café da cidade, David Duarte fala de uma certa “apatia musical cearense” que, segundo ele, está relacionada ao forró com letras violentas, cheias de preconceito contra a mulher e ligadas ao alcoolismo. A entrevista não poderia terminar sem café e pães-de-queijo.

VALEU depois do sucesso do disco Essencial e da música Valeu a Pena Esperar, David diz que vai demorar para produzir outro trabalho

Você consegue imaginar o cantor David Duarte, presença garantida na programação de rádios como Tempo ou Calypso, caçando músicas de forró pelas FMs 93 da vida? David garante que nem ele imaginava que um dia faria algo assim. Em agosto deste ano, ele chamou os amigos, selecionou um repertório de canções suas e de outros compositores nordestinos e botou a filha Diana em cima de um par de pernas-de-pau, tudo para um show que tinha agendado na Taíba. Já no palco, se surpreendeu com a apatia geral das cerca de 10.000 pessoas presentes, o que o obrigou, inclusive, a reduzir o repertório planejado. Uma parte da platéia começou a pedir que ele fosse substituído por uma banda de forró. “Três gatos pingados, de cachaça e chapéu, começaram a gritar: ‘Forró! Forró!’ Aí eu ouvi e falei: ‘Como é que é? Vamo lá! Forró! Forró!’, bem irônico. Criou-se um certo burburinho, começaram a falar, depois sentiram que tava ficando estranho e pararam. Aí eu disse assim: ‘Vocês lá querem forró! Se vocês quisessem forró, vocês agora estavam gritando. Isso aqui é forró, minha gente! E comecei a cantar ‘Vaca Estrela e Boi Fubá’,’’ conta. A perplexidade com o episódio levou-o a observar a maneira como o chamado forró elétrico tem alterado os hábitos da sociedade cearense. “É que parece que as pessoas, no inconsciente coletivo, estão se conformando, estão fazendo aquela corrente, aquela grande corrente, e dizendo assim: ‘Graças a Deus, eu não preciso saber, eu não preciso pensar, eu não preciso nem sequer agir. Eu só preciso ir com a maré!’,” indigna-se. Ele tem planos de montar um novo show só com essa temática, para alertar o público, e já imagina até a cenografia do espetáculo.

Jornal Jabá – Essa intenção de criar um movimento, de fazer com que as pessoas reflitam sobre isso, já é de muito tempo ou veio a partir do show da Taíba?

David Duarte – O show da Taíba foi o grande estopim. Porque eu sempre quis encontrar uma maneira de averiguar isso como uma coisa, um fenômeno natural, social. Mas não é! O show da Taíba foi o estopim porque eu pude perceber. Olha, eu tive o show da Bienal de Aracati no ano passado, que foi um show lindo também, com um puta dum som que veio não sei de onde, foi um show maravilhoso. Acontece que, numa cidade do interior, numa praça pública, quando se monta, hoje em dia, principalmente aqui no Ceará, um palco com uma grande estrutura de show, as pessoas ficam assim (fica encurvado, de braços cruzados, imitando a expressão de apatia do público), esperando o forró começar. Se não começar forró, as pessoas vão se evadindo. Então, foi por causa de uma seqüência de dificuldades que eu tive em relação ao fato de me apresentar em praças públicas, em cidades do interior. Em Fortaleza também, mas, em Fortaleza, eu tenho o meu público, já é diferente. A massa do meu público contrapõe um pouco essa história. Mas ainda é uma apatia total!

JJ – Uma coisa que parece lhe incomodar bastante são as letras, não é tanto a música, a melodia do forró. Por quê?

David – Eu nem conheço essas letras, sabe? Eu nem conheço. Na verdade, o que me incomoda é o fato de haver, em torno dessa indústria, uma proliferação, uma propagação de um modus vivendi que é completamente doentio, que tá relacionado com a violência, que tá relacionado com o alcoolismo, com o consumo de álcool por menores. Eu identifico três estágios: o momento em que a pessoa está aflita porque ainda não bebeu, o momento em que ela está eufórica porque já bebeu e o momento em que ela está deprimida porque tem que parar de beber, porque tá de ressaca. Então, essas pessoas, no trato social, elas vivem em torno [disso]. Porque eu conheço a doença do alcoolismo. Eu posso dizer que eu conheço, porque eu já vivi um trabalho relacionado com isso na minha própria vida. E isso também não vem ao caso. Mas eu conheço o mecanismo dessa doença. E não tem outra, são esses três estágios. Então, o que é uma segunda-feira nas repartições? Você vai comprar uma coisa numa loja, a mulher tá assim, o cara tá assim (escora a cabeça nas mãos, reproduzindo a expressão de cansaço das pessoas). Em contraponto a isso, tem o grande advento do culto evangélico e suas várias ramificações, que lidam com isso com o simplismo de dizer que é só coisa do diabo, do Satanás. É uma visão um tanto quanto simplista pra mim, em função do fato de eu conhecer um pouco os meandros, as entrelinhas dessa doença. Então, eu percebo que é um problema de saúde pública, que está tendo o aval de pessoas que ainda dizem: “O negócio é cachaça, rapariga e forró.” Quer dizer, que tipo de mentalidade, o que a pessoa quer ouvir quando quer fazer isso [consumir bebidas alcoólicas]?

JJ – Além dessa questão do alcoolismo, de que outras formas você acha que o forró influencia o comportamento das pessoas?

David – Na co-depedência. Nessa questão de achar que o relacionamento é um relacionamento que tá, digamos assim, postado em cima de – eu não diria de aparências, não é isso. Eu acho que colocando a volúpia no lugar errado, na hora errada. Quando você não tem a chave pra abrir um negócio e você precisa muito entrar, você arromba. Eu acho que é isso que eles tão fazendo, tão arrombando o processo, sabe? Não é bem por aí. Acontece que é o seguinte: as pessoas já têm uma preguiça de pensar. As pessoas já comem mal, dormem mal, vivem mal, são muito prejudicadas pelo desfavorecimento social, de classe. Vixe, até parece que eu sou um sociólogo, né? Eu tô falando isso porque só pode ser mesmo complexo. Então, junta tudo isso e nós temos aí um coeficiente de infelicidade. Essa infelicidade gera uma dor, essa dor gera um sofrimento. Não precisaria, mas gera um sofrimento, por causa do despreparo das pessoas. Isso a grosso modo. O sofrimento precisa ser anestesiado, e essa anestesia precisa ser institucionalizada. É isso que eles estão fazendo: institucionalizando o sofrimento das pessoas. É como eu disse: “aquela cachaça, e a dor não passa, a dor não passa... depois das dez mulheres de graça, de graça, de graça...” (citando uma de suas composições sobre o tema, “Balada da Apatia Popular”). Tá entendendo? E, no fundo disso – e isso é que é o mais bonito do ser humano –, é que a alma, enquanto a criatura tá viva, a alma não deixa de pulsar. Então, lá no fundo, existe um confronto disso tudo com a alma. Mesmo que seja de uma forma bem simplista mesmo: a alma que ele aprendeu a dizer que é alma quando vai pra igreja ou os pais contaram pra ele. Então tem um conflitozinho lá dentro que torna a pessoa mais violenta ainda: “Pois eu vou é fazer, pois eu vou é matar, pois eu vou é bater!”

JJ – E essas pessoas que ouvem essas músicas, vão pra esses lugares...

David – O problema não tá nas músicas. Eles se prevaleceram disso e agora a música está se prevalecendo e vice-versa. Olha, eu queria muito que vocês percebessem que eu não tenho problema nenhum com o forró. O meu problema é com as pessoas, eu tô preocupado com as pessoas.

JJ – As pessoas que escutam forró?

David – Rapaz, as pessoas geralmente, coincidentemente... Eu percebi isso: que esse tsunami tá levando todo mundo, aonde você chega. E tem esse aspecto do dia, porque não é só à noite, é como eu falei: ou a pessoa tá ansiosa porque não está bêbada ou ela está eufórica porque está bêbada ou tá deprimida porque tá cansada. E esse processo, meus queridos, dura três dias, dois dias...

JJ – Essas pessoas são felizes?

David – Felizes? Rapaz, elas são alegres, disso eu sei. Mas felizes... Provavelmente, eu venha um dia a ter certeza que não, não são felizes. A felicidade é uma coisa meio sem graça, sabe? Porque a felicidade precisa de muita aceitação. A felicidade não é você mudar nada, não. A felicidade é você estar bem com o que for que esteja acontecendo. Isso é felicidade. Um conceito meio parecido com o de utopia, né? É uma coisa meio sem graça, as pessoas não querem viver essa felicidade sem graça.

JJ – A gente verifica às vezes que músicos com formação erudita vão trabalhar em bandas de forró por causa do salário, que é maior.

David – Nossa, que informação, hein? Você tem essa informação? Porque, justamente, a informação que eu tenho, a informação que eu tinha no início, era que músicos de pouca formação, de pouca qualidade, vão pras bandas. Veja, existem dois universos: o universo do estúdio e o universo dos shows. Realmente, nos estúdios, as bandas de forró lançam mão dos melhores músicos da cidade, fora os músicos que já acompanham as bandas. Mas, quando é nos shows, aí, geralmente, partem praqueles músicos menos formados, que são os músicos das bandas marciais, banda de Pia Martha, banda da Marinha... Têm muitos desses músicos que tocam metais em banda de forró.

JJ – Tem um projeto no Rio Grande do Norte [Banda Municipal de Cruzeta], que trabalha com formação de jovens em música erudita. Muitos, quando terminam o projeto, vão procurar emprego e acabam encontrando só nas bandas de forró.

David – Só tem banda de forró!

JJ – Por que você acha que o mercado é tão difícil pra outros gêneros musicais, pros músicos conseguirem viver de música?

David – Por causa da mídia. Não existe espaço pra que as pessoas se acostumem a gostar de outra coisa.

JJ – Você acha que isso pode mudar?

David – Eu acho que pode. Ah, essa pergunta é muito interessante. Daqui a vinte anos, como é que não vai tá isso tudo? Será que não vai ter outra coisa? Agora, uma coisa eu sei: do jeito que está, nós estamos caminhando pra formar, produzir, parir pessoas completamente disfuncionais. Pelo menos, aqui no nosso estado. Tem um monte de problemas incrustados nessa questãozinha aí. É um sentimento de raiva, de inadequação, de diminuição, de desfavorecimento social. “Eu sou desfavorecido, pois agora eu vou assumir, porque a única coisa que faz com que eu seja grande, enquanto fodido, é ter!” Cachaça é um negócio barato, é uma droga baratíssima. Cachaça é mais barato do que cigarro, cara! Eu sou tabagista. É a única droga que eu uso.

JJ – Você planeja parar?

David – Planejo. Sabe que ontem mesmo eu planejei? (risos) O importante, na verdade, é a reflexão, porque, com a reflexão, vem o desejo de parar ou de começar alguma coisa. Parado é que neguinho não faz nada. Parado, neguinho só vai sendo levado.

A volta dos que não foram


Esta é a capa da edição 44, da primeira quinzena de outubro, do Jornal Jabá que não circulou por falta de verba.

Este espaço está aberto para que o Jabá não fique mais tanto tempo assim sem ser lido - e comentado.