sábado, 5 de abril de 2008

QUESTÕES À-TOA...

Bom, todos — os que nos representam e têm a responsabilidade de fazê-lo da melhor forma possível —, todos decidiram: vamos nós para o quintal do Zé D’alencar, nas Messejanas, bairro cujo índice de infestação do tal mosquito que vem botando quente no RJ atingiu patamares assustadores. Todos implica: nós, jornalistas e publicitários; eles, demais cursos (estilismo & moda, música, audiovisual, artes cênicas etc.). Foi assim: reuniram-se no Palácio do Reitor e acharam por bem levar adiante o mega-ultra-multiprojeto que, de tão acanhado, prevê: teatro pra mil e tantas pessoas; sets de filmagens que farão inveja aos de Hollywood; estúdios cujas estruturas, cujos equipamentos, cuja área enfim: cujo custo gira em torno de cifras altíssimas, estratosfericamente inconcebíveis. E mais tanta coisa boa pra tanta gente ao mesmo tempo e lugar que, meu Deus, cabe perguntar, temos a obrigação e mesmo decência de querer saber: vai ter dinheiro pra erguer esse colosso da pesquisa internacional, esse centro desmedido e desmesuradamente de ponta na comunicação, no estilismo, na dança, no teatro, no cinema, nas artes de modo geralíssimo? Dizem que sim. Eu duvido. Eles não só acreditam: eles querem acreditar. Palavra do Reitor. Amém.

Pois bem. Nossos professores fizeram o mesmo: reuniram-se no departamento e lançaram, sem mais nem menos, como se estivessem à mesa do bar, a nossa sorte em direção ao Cambeba, às tapioqueiras, ao Beast Park. Pois bem. No dia seguinte, tomamos conhecimento: sobrancelhas arqueadas, caras assustadas e a desconcertante frase: “Não estarei mais aqui mesmo”. A gente se assusta com essas coisas todas, professores deslumbrados com infinitos zeros (são CENTO E VINTE MILHÕES DE REAIS!!!) e alunos se resignando quando deveriam sair às ruas, com ou sem panelas, e dizer: NÃO AO PROJETO ou SIM AO PROJETO. Mas dizer. O que fosse, mas dizer. Sim ou não, mas dizer qualquer coisa exceto: eu não vou estar mais aqui mesmo. Qual nada, voltam pra casa tranqüilos e satisfeitos e distantes afinal de qualquer querela infanto-juvenil que esteja sendo forjada contra a transferência de um curso quarentão para os confins da Fortaleza sob a marmotosa e abestalhada pra não dizer idiota e inconsistente desculpa: a cidade se expande pros lados de lá, o Alagadiço tem o metro quadrado mais caro da Loura desposada pelo astro-rei. Qual nada. Calam-se. Amém também.

Ok, ok... Agora vêm as perguntinhas sem graça. Primeiro: por que o curso de comunicação social tem de integrar o ICCA (Instituto de Cultura, Comunicação e Arte ou qualquer coisa parecida com isso)? Porque, eles dizem, o dinheiro é suficiente para replicar uma unidade da Nasa aqui. É o dobro do que seria disponibilizado caso o instituto fosse construído no Pici ou mesmo no Benfica. Desse modo pragmático, abandonaram-se os projetos de construção do instituto em metros quadrados mais plebeus. Professores que participaram da reunião no departamento garantem não ter havido muita resistência ao projeto (que, na verdade, na verdade não é um projeto, mas apenas a palavra supostamente afiançada do Reitor ou, quem sabe, um fio do seu bigode). A enormidade das cifras havia minado qualquer possibilidade de debate — e aqui se encontra o grande erro dos professores: não debater o projeto porque afinal a cavalo dado não se olham os dentes. Em conversa com a coordenadora do estilismo & moda, perguntou-se quanto do montante viria parar nos cofres estilosos do curso. Ela disse não saber, que sequer tinha conhecimento do valor total da verba mas que, ora bolas, não ia perder essa oportunidade nunquinha. De modo que os docentes que não concordavam com a mudança foram prontamente convencidos, viram-se sem palavras diante de tantas promessas e mesmo sem graça, amarelecidos de vergonha. E, fico pensando, quiseram evitar o desgaste que é se contrapor a algo que promete (só promete) trazer tanta coisa boa pra todos nós.

Mas aí vêm outras perguntas não menos irrespondíveis: não indo para o quintal do Zé D’alencar, o que perdemos todos? A verba só é liberada para os que vão? E quanto aos que resolveram (caso da arquitetura) e aos que resolverem ficar, como fica? E o que se fez do projeto de construção do ICCA no próprio Benfica? E afinal a pergunta de um milhão de dólares (abaixo, obviamente, dos 120 milhões de reais sonhados): mesmo com tantos benefícios, por que não ficar no Benfica?!

Motivos não faltam. É central (fica a dois passos do Centro, o metro quadrado mais valorizado culturalmente de Fortaleza e a alguns dos bairros, seja Messejana ou Conjunto Ceará). Está integrado aos demais cursos das humanidades (ciências sociais, filosofia, letras, direito, pedagogia e aos cursos da Feacs e aos do Pici). Quer queiram ou não, existe um arremedo de corredor cultural no Benfica, que há quarenta anos abriga os campi das humanidades. Casas de Cultura, MAUC, Casa Amarela, Rádio Universitária, jornais impressos de um modo geral (O Povo e Diário do Nordeste). E a memória, a riqueza imaterial, a história de um curso de jornalismo e publicidade que criou naquelas bandas, nutrindo-se de sua vida social, cultural e política, varando madrugadas nas ruas do bairro, alimentando-se do seu entorno, que criou enfim vínculos que são por demais caros, para não dizer inegociáveis. E agora vêm nossos queridos mestres nos dizer que podemos nos mudar que nada nos fará falta na longínqua e alheia Messejana? Que podemos trocar tudo isso por prédios novos, equipamentos tinindo e um grande teatro? Que devemos fazer isso porque a cidade está crescendo pra lá, porque temos de contribuir para o desenvolvimento social e econômico do Estado? É difícil engolir tanta desculpa esfarrapada, tanta promessa absurda e tanto desrespeito à memória coletiva e ao patrimônio imaterial da imprensa cearense.

De tudo isso, fica-se com a impressão inescapável: os docentes assim procederam porque se deslumbraram (essa é a palavra exata pra definir a situação: deslumbre) com as promessas de um reitor metido a JK, que quer, a qualquer preço, crescer 50 anos em 5, que atropela a comunidade universitária e toma decisões arbitrárias sem consulta prévia (caso do Reuni e, agora, do ICCA). Que, finalmente, sofre de uma síndrome de faraó. Que mobiliza cursos sem apresentar um projeto minimamente decente a partir do qual se possa discutir qualquer coisa e só então decidir se a construção do instituto é boa ou não para todos nós.

Finalizando. Terça-feira que vem tem conversa com a chefe de departamento do curso de comunicação social. Esperemos pra ver qual é. Mas fico angustiado: nos darão alguma coisa além dos argumentos tão sólidos quanto gelatina que, até agora, vêm pontuando esse debate? Acho difícil. Mas não custa esperar.
Enquanto isso, os estudantes têm a obrigação de fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Ocupar a reitoria? Não. Afinal, o “sim” foi uma decisão doméstica, não tem nada que ver com o reitor. Quer dizer, o processo foi atropelado etc., pouco ou quase nada democrático (deixo claro que não espero nunca democracia dessa instituição, apenas decisões tomadas com base numa fisiológica e no jogo de interesses, tal e qual é a política neste País). Bom, vejamos... Quarta-feira tem assembléia dos estudantes da comunicação. As questões, mesmo as mais prosaicas, estão postas.

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