quarta-feira, 9 de abril de 2008

“A roupa suja a gente lava em casa”

Fazia tempo que a torrinha do Diretório Acadêmico Tristão de Athayde (DATA) não via tanta gente. Ainda que, numericamente, representassem, no máximo, 10% do contingente total do curso, estudantes de quase todos os semestres compareceram ontem, 8 de abril, ao encontro com a chefe do Departamento de Comunicação Social, professora Márcia Vidal.

A iniciativa partiu da gestão atual do DATA e visava prestar esclarecimentos sobre o Instituto de Comunicação, Cultura e Arte (ICCA), assunto que vem causando polêmica nos corredores da universidade desde que a implantação do ICCA na Casa de José de Alencar, em Messejana, foi aprovada em uma reunião de departamento no dia 26 de março.

Inicialmente, Márcia explicou o projeto e relatou um episódio semelhante, que ocorreu quando ela era estudante de graduação do curso. À época, foi levantada a possibilidade de o curso se mudar para o Campus do Pici, idéia que encontrou oposição entre grande parte dos estudantes e dos professores do Departamento. “Há 20 anos, quando os professores negaram a nossa ida ao Pici, eles comprometeram o nosso futuro”, constatou, remetendo à situação atual, em que o ICCA representa outra possibilidade de mudança de sede para o curso, à qual a professora se declara favorável.

Os estudantes aproveitaram a oportunidade para tirar dúvidas quanto ao projeto e questionar a pressa com que foram tomadas algumas decisões, o que inviabilizou discussões prévias. Lorena (3J), integrante da gestão atual do DATA, explicou que a própria representação estudantil só foi avisada da pauta da reunião de departamento na qual se aprovaria com unanimidade a mudança para Messejana na noite anterior ao 26 de março e, por isso, não pôde consultar os estudantes para definir uma posição. “Quanto tempo nós tivemos pra pensar? Uma noite? Realmente, é contraditório a representação estudantil se posicionar a favor do projeto na hora e, agora, mudar de posição”, disse. “Mas essa decisão foi realmente tomada entre 5 pessoas [membros da gestão] e vocês têm liberdade de se posicionar de outra forma”.

Vários estudantes levantaram objeções ao projeto, como o abandono da promessa de campanha do reitor Ícaro Moreira de revitalizar, através do ICCA, o corredor cultural do Benfica, composto pelo Museu de Arte da UFC (MAUC), o Teatro Universitário e a Casa Amarela Eusélio Oliveira. O professor Wellington Júnior, que também assisia à reunião, apontou que transferir o Instituto para a Messejana “é dizer que esse corredor vai continuar entregue às moscas, já que não tem dinheiro pra ele”.

As verbas para construção do ICCA não podem ser utilizadas para outros fins que não a criação de cursos e campi novos, conforme esclareceu Márcia Vidal. Segundo ela, o dinheiro também foi a razão para que tudo fosse decidido tão rapidamente. “A verba chegou e nós tivemos de decidir logo, antes que ela fosse pra outro lugar”, disse a professora. Cerca de R$ 3 milhões é a quantia já disponível para iniciar as obras. Até o fim do ano, estão previstos mais R$ 14 milhões, aos quais devem se somar R$ 24 milhões ao longo de 2009. O total de verbas a serem liberadas até 2012 é de R$ 120 milhões. Grande parte dessa quantia deve ser proveniente do Reuni, mas a administração da universidade também conta com a contribuição das chamadas verbas de bancada, requeridas por deputados e senadores e, segundo Márcia, já aprovadas para este ano.

Outro ponto lembrado na reunião foi que a construção do Instituto na Messejana ainda não é dada completamente como certa. A Casa de José de Alencar e seus arredores são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e, portanto, não poderiam receber novas construções em sua área. De acordo com Márcia, a assessoria jurídica da universidade está lidando com essa questão. Outra possível localização para o ICCA é o Campus do Pici, que só não é o plano A porque, na opinião da professora, “seríamos apenas mais uma unidade acadêmica”.

A permanência no Campus do Benfica não é cogitada. De acordo com Márcia, a estrutura do prédio do curso está em “colapso”, apesar das reformas por que tem passado. A professora revelou projetos de abertura de novos cursos de especialização e até mesmo de um Centro Internacional de Aperfeiçoamento em Comunicação, Cultura e Arte (CIACC), pólo de pesquisa nos moldes do CIESPAL (Centro Internacional de Educacción Superior de Periodistas para América Latina), mas tudo só seria possível com uma mudança de sede. Segundo a professora, o recém criado mestrado em Comunicação Social também estaria em jogo, visto que ele passará por sua primeira avaliação perante o Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) em 2009 e poderia ser reprovado nas atuais instalações.

Após se queixar de não ter ouvido nenhuma opinião positiva sobre o projeto em uma hora de debate, Márcia explicitou os fatores políticos que o tema envolve, destacando que, em todo o seu tempo no curso de Comunicação Social, nunca havia visto tantos recursos. Ela caracterizou como uma “briga de foice” a disputa por verbas entre os vários cursos e afirmou repetidamente que seu apoio ao projeto não era movido por interesses pessoais, pois não tem a intenção de se candidatar à diretoria do conselho que vai reger o ICCA, cargo que cabe ao curso de Comunicação Social. A professora mencionou sua atuação de 25 anos no curso e no movimento de rádios comunitárias para garantir que não arriscaria sua reputação e sua carreira acadêmica por um projeto no qual não acreditasse. Ela chegou a afirmar que se demitiria, caso os estudantes se opusessem formalmente ao ICCA, divulgando tal posicionamento fora da universidade: “A roupa suja a gente lava em casa”, recomendou.

Muitos estudantes retomaram a palavra para reafirmar sua confiança no Departamento, mas sustentaram as críticas colocadas anteriormente e exigiram que mais informações das instâncias superiores da universidade lhes fossem repassadas, de modo a permitir firmar uma posição própria. Márcia prometeu tentar intermediar uma reunião no próprio DA com o pró-reitor de Graduação e tutor do ICCA, Custódio Almeida, e garantiu que o curso terá direito a enviar representação estudantil às reuniões de constituição do projeto, que estão ocorrendo todas as quintas-feiras, às 15h, na Pró-Reitoria de Graduação, que fica no Campus do Pici. Geimison (3J), que já esteve presente na reunião da semana passada, deve continuar a representar o curso, divulgando as decisões tomadas e inserindo as preocupações estudantis na pauta das discussões. Enquanto a conversa com Custódio não acontecer, o representante se absterá das votações, já que o curso ainda não decidiu sua posição em relação ao tema.

Como lembrou Thiago “Zé” Rodrigues, é importante que os estudantes se mantenham informados e repassem informações a seus colegas. O Jabá tem procurado, desde o início, democratizar as informações sobre o projeto e está aberto a quem quiser colaborar.

8 comentários:

bruno reis disse...

o projeto do ICCA não é bom, é ótimo, maravilhoso, muito bom mesmo. e é justamente por isso que ele tem que ser muito bem pensado, discutido, porque é um projeto grande, com muita coisa envolvida. infelizmente acho que ainda falta muito pra que as coisas sejam realmente esclarecidas e que haja efetiva participação dos estudantes. isso não vai vir de graça, porque não é interessante pra várias pessoas, e por isso mesmo que a gente tem que se mobilizar e enxer o saco de quem é responsável pelo projeto até que tudo fiquei claro. eu não entendi, até agora, porque afinal não vamos para o pici em vez de viajar pra messejana.

Henrique Araújo disse...

Débora, tenho aqui umas observações pra fazer a respeito da matéria que tu postou no blogue.

Como é que tu pode afirmar, em alto e bom som, que, finda a reunião, os “estudantes reafirmaram a sua confiança no departamento”? Tu ouviu o pessoal depois do debate? E quanto aos estudantes que tinham feito objeções ao projeto, eles voltaram atrás em suas posições? Você conversou com algum deles? Pelo que pude entender do teu texto, os meninos e as meninas do DA têm restrições ao projeto. Se entendi bem, eles são, mesmo apontando pontos positivos no projeto, contra a nossa ida pra Messejana. Isso procede ou é invenção minha?

Outra coisa: senti falta da tensão que, a certa altura, se instalou na reunião. Pessoas que participaram disseram depois que a Márcia se alterou com tantos questionamentos, que chegou a reclamar porque os estudantes só tinham apontado, transcorrida uma hora de conversa, pontos negativos no projeto. Acho que faltou isso no texto, dimensionar essa coisa mais nervosa mesmo e até um certo constrangimento que deve ter ficado no ar depois de ela ter pedido pra que ninguém saísse por aí dizendo que é contra a ida para o novo campus (e de chantagear os alunos ameaçando demitir-se caso houvesse oposição ao projeto). Ou ela pediria pra sair.

No mais, o texto tá bem bacana.

Débora Medeiros disse...

Henrique, posso afirmar isso pelo pronunciamento de vários estudantes durante a própria reunião. Como disse alguém na hora, foi praticamente "um abraço coletivo verbal", hehe. O que talvez não tenha ficado claro no meu texto é que as pessoas disseram confiar nos professores do departamento, mas não nas instâncias superiores da universidade, saca? Inclusive, muitos dos que levantaram objeções no início retomaram a palavra pra fazer esse esclarecimento, mesmo sustentando suas objeções. O pessoal do DA, oficialmente, não tem uma posição formada ainda, até porque ela depende da posição que o resto dos estudantes adotar. Vou reformular esse trecho pra deixar tudo isso mais claro.

O momento em que a Márcia fala na própria demissão é exatamente esse de tensão mesmo. Vou colocar mais claramente isso também. Mas que fique claro que a coisa não se configurou exatamente assim como você colocou: a Márcia não chantageou ninguém pra não sair por aí expressando a própria opinião, não. O que ela pediu foi que isso ficasse sendo discutido internamente, que não fôssemos, sem ter todas as informações (daí a reunião com o Custódio), aos veículos de comunicação. E ninguém prometeu nada pra sempre, não, o que ficou acertado é que iríamos esperar até depois da reunião com o Custódio (ou com sua reprsentante) pra nos pronunciarmos, seja contra, seja a favor do projeto.

Henrique Araújo disse...

Tudo bem... Acho que eram essas informações que tavam faltando mesmo no texto...

Henrique Araújo disse...

E peço desculpas pela história do chantagear... Ficou muito pesado.

Mas, pensando bem: essa história de pedir demissão ficou mal explicada. Quer dizer, tá bem explicada, sim. Só achei meio doida, surreal.

Enfim...

Camila disse...

gostei muito da cobertura de vcs. eu não pude ir pra reunião e deu pra ter uma idéia legal dos dois lados. só não gostei de ter que ler em fundo cinza, melhor seria em branco. parabéns :)

camila, 4p.

Débora Medeiros disse...

Henrique, valeu pelos toques. Já modifiquei as passagens que você apontou, espero que estejam mais claras agora, é que realmente era muita coisa pra relatar! Agradeço a revisão.

Débora Medeiros disse...

Obrigada pelo comentário, Cam.