terça-feira, 19 de agosto de 2008

Um debate de fôlego, uma corrida contra o tempo

A UFC enfrenta, mais uma vez, um processo de sucessão de última hora. O último havia se iniciado em plenas férias do semestre 2006.2, quando o reitor René Teixeira Barreira renunciou ao cargo, para assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do governo Cid Gomes. O resultado foi a eleição do então vice-reitor, Ícaro de Sousa Moreira em março de 2007. As eleições atuais ocorrem após a morte súbita do professor Ícaro, vítima de um infarto fulminante abril passado. Segundo o Ministério da Educação (MEC), o vice-reitor, Jesualdo Farias, só poderia ter assumido como reitor caso Ícaro houvesse cumprido pelo menos metade do seu mandato. O MEC, então, determinou que fossem realizadas novas eleições. O Conselho Universitário (Consuni) cogitou até mesmo a elaboração de uma lista tríplice sem consulta prévia à comunidade acadêmica, mas a medida não foi aprovada. E, assim, teve início mais um processo eleitoral com pouco tempo hábil para discussão, como prova a realização do primeiro e único debate entre os candidatos apenas dois dias antes da votação.

Segunda-feira, 18 de agosto, 10 horas da manhã. O Auditório Castello Branco estava lotado: acomodados nas poltronas e no carpete azuis, figurões do alto escalão administrativo da UFC, professores, servidores, jornalistas e estudantes aguardavam o início do debate entre os candidatos a reitor. Em poucos minutos, os professores Jesualdo Pereira Farias, Benito Moreira de Azevedo e José Carlos Parente de Oliveira foram chamados, nessa ordem, a compor a mesa, cada um arrancando palmas de seus respectivos apoiadores.

Desde esse momento, era perceptível a atmosfera que permaneceria ao longo do debate, algo como um duelo entre torcidas organizadas, com direito a uniforme (a sala estava coalhada de camisas azuis, dos eleitores de Jesualdo Farias, e de camisas brancas, de quem votaria em Benito Azevedo; os apoiadores de José Carlos Parente traziam adesivos no peito), gritos e deboches, os quais, mais tarde, levariam o professor Benito a repreender a audiência: "Me surpreende ver professores de cargos comissionados agindo dessa forma", disse. "Isso é democracia, ouvir o que não se quer também".

Mas não nos adiantemos aos fatos. Agora que o leitor sentiu o clima, vamos aos pontos altos do debate, que durou cerca de duas horas, divididas em quatro blocos. Apenas a Associação dos Docentes da UFC (Adufc) participou da organização. O Sindicato dos Servidores da UFC (SintufCE) e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) afirmam não concordar com o processo não-paritário.

1º bloco: apresentações

Cada candidato teve seis minutos para fazer uma apresentação geral de si próprio e de suas propostas. Por sorteio, Jesualdo Farias foi o primeiro a falar. "Compreendo que o vice-reitor, de acordo com o que postula nosso estatuto, deveria dar continuidade ao mandato", afirmou, acrescentando, no entanto, que fora favorável à consulta à comunidade quando da votação no Consuni da determinação do MEC. Jesualdo qualificou seu mandato junto ao reitor Ícaro Moreira como "um ano e dois meses de realizações", das quais destacou o que considera melhorias na assistência estudantil, como a oferta de refeições vegetarianas no Restaurante Universitário e o aumento na quantidade de bolsas, assim como em seu valor, que passou de R$200 para R$ 300. Anunciou, ainda, a construção de duas novas residências estudantis: uma no Benfica e uma no Pici.

Benito Azevedo, por sua vez, passou cerca de cinco dos seis minutos de sua apresentação detalhando a própria trajetória acadêmica, com ênfase na sua atuação no movimento sindical, através da Adufc (Associação dos Docentes da UFC), e administrativa, como chefe do departamento de Engenharia Agrícola. Benito afirmou defender a paridade em todas as instâncias decisórias da universidade, além das eleições, e conclamou aqueles que concordam com ele a participarem da consulta: "Eu acho que a melhor resposta de estudantes e servidores a quem é contra a paridade é derrotando na urna". Quanto à sua proposta como candidato, disse apenas: "A minha proposta... Não tem proposta", o que provocou risos em parte da audiência. Ele explicou, então, que tudo seria decidido junto à comunidade universitária.

José Carlos Parente pouco falou de sua trajetória de mais 30 anos na UFC, optando por anunciar que, se eleito, seu primeiro ato seria instalar uma estatuinte. "O autoritarismo desse estatuto fomenta o continuísmo", acusou, prometendo que "o novo estatuto será atual, preciso e democrático". Outra medida defendida por Parente é a descentralização do orçamento universitário. Segundo ele, a configuração atual, em que as verbas estão concentradas nas mãos do reitor, leva os diretores de centro e chefes de departamento a "mendigar" pelos corredores da Reitoria, quando precisam de financiamento para projetos ou dinheiro para algum conserto emergencial. O candidato também disse exigir transparência no que diz respeito às fundações privadas existentes na UFC, como a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC): "A falta de transparência é tal, que nós não sabemos o que acontece nas fundações privadas", disse.

2º bloco: cobranças e indagações

Os candidatos puderam fazer perguntas entre si, com direito a réplica e tréplica. Benito perguntou sobre a opinião dos outros dois professores sobre a paridade e se eles concordariam em retirar suas candidaturas até que fosse possível realizar eleições paritárias. Jesualdo afirmou que a proposta já foi submetida ao Consuni, mas disse que a paridade só seria possível de fato com a conquista da autonomia plena, desvinculando o resultado das eleições da aprovação do presidente da República. Parente afirmou que seu desejo era que as eleições atuais já fossem paritárias e contra-argumentou: "Que moral tem alguém pra ir ao MEC pedir autonomia quando as decisões ainda são tomadas de forma autoritária na universidade?", ao que Jesualdo respondeu ser a autonomia um compromisso não só de sua candidatura, mas de sua gestão anteriormente. "É só compromisso que se quer?", indagou Parente. "O compromisso que mais vinga nessa universidade é a troca de cargos, é a troca de empregos", acusou.

Benito refez o convite aos candidatos para que retirem suas candidaturas, assinalando que nenhum deles havia respondido. Parente, então, mostrou um documento assinado por ele, em resposta afirmativa à pergunta.

Parente perguntou a Jesualdo o porquê de sua permanência no cargo de vice-reitor durante e mesmo depois das eleições, caso perca na consulta. Segundo o professor, isso contraria o estatuto da UFC, ao que Jesualdo replicou: "Eu gostaria que o senhor lesse o nosso estatuto, porque parece que o senhor só está interessado nas regras aplicadas a consultas feitas em circunstâncias de normalidade. A UFC está passando por um processo de excepcionalidade".

3º bloco: o público se manifesta

Das três perguntas lidas pelo mediador, a do servidor César Pontes foi a mais abrangente, pedindo que os três candidatos avaliassem a atual gestão. Jesualdo foi o primeiro a responder, listando ações nas áreas de extensão, assistência estudantil, pesquisa, graduação e pós-graduação, inclusive com a criação de novos cursos. Parente citou o contexto nacional de fomento ao Ensino Superior e acusou Jesualdo de tomar para si méritos que não eram dele: "Não dá pra dizer que todo esse blábláblá é seu, essa universidade caminha com pés próprios, a administração superior muitas vezes atrapalha", disse. Já Benito reforçou o caráter participativo que sua gestão teria: "Eu faria tudo isso com a comunidade e melhor", garantiu, mais uma vez provocando deboches do público.

4º bloco: pedidos de participação

Por cinco minutos, cada candidato fez suas considerações finais, com pedidos de votos e de participação da comunidade universitária. Benito assinalou que Jesualdo não havia se manifestado quanto à proposta feita por ele para retirar as candidaturas até que se pudessem fazer eleições paritárias.

Parente disse perceber "um riso de desfaçatez" entre os ocupantes de cargos comissionados (cargos de confiança) presentes no debate. "Aqui, só quem consegue as coisas é quem verga as costas, mas ainda há pessoas que não aprenderam a vergar as costas", bradou, acusando Jesualdo de pertencer a uma "oligarquia", no poder desde antes dos tempos do reitor Roberto Cláudio, do qual o reitor René Barreira já fora vice.

Jesualdo disse lamentar "profundamente" estar participando de uma consulta para reitor naquele momento, pois esta só estava acontecendo devido ao falecimento do reitor Ícaro Moreira. "O professor Ícaro não saiu pra ser vice-reitor conduzido por uma oligarquia, mas pelos méritos dele", disse Jesualdo, repelindo as acusações de Parente.

Com isso, o debate foi encerrado. Quer todos os esclarecimentos necessários tenham sido prestados em duas horas ou não, esta foi a última oportunidade para ouvir as propostas de cada candidato antes da votação. Mas você ainda pode acessar a página referente à consulta no site da UFC e tirar as próprias conclusões. Se se sentir seguro para votar, apareça em alguma das seções espalhadas pela universidade nesta quarta, dia 20. Confira os horários de funcionamento e localizações de todas elas aqui.

AINDA HOJE NO BLOG: Entrevistas exclusivas com os candidatos sobre o Instituto de Cultura e Arte (ICA).

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