"Por falta de um grito se perde uma boiada."
(Minha mãe)
Não tínhamos credenciais, não tínhamos crachás de grandes empresas de Comunicação, não tínhamos permissão para estar lá, não tínhamos porra nenhuma: apenas a firmeza de quem sai de casa às 13 horas de um sábado para tentar uma entrevista com chances monstras de não dar certo. Tínhamos também a certeza de que deveríamos olhar nos olhos e responder com postura a qualquer abordagem dos recepcionistas e seguranças do hotel.
E não tardou para que usássemos essa última: depois de passar por cerca de 20 ou 25 fãs que esperavam do lado de fora do hotel, entramos pela porta giratória e sentamos no sofá da recepção. "E agora?", perguntei para a Débora. "A gente fica aqui e espera eternamente até eles descerem?". Precisávamos de um plano melhor, pois o segurança de terno já passava por nós na tentativa de ouvir nossa conversa. Veio a idéia: Débora telefona pro Alan pedindo pra ele ligar para a recepção e perguntar pelo Marco Hietala (aparentemente o mais simpático e amigável da banda), solicitando em seguida que a recepcionista passasse a ligação pro quarto dele (santa inocência!). Quando o baixista atendesse (o que eu mais gosto na gente é essa filosofia bob-marleyana de que "every little thing's gonna be alright"), Alan explicaria em inglês que duas estudantes de Jornalismo estavam na recepção e queriam uma palavrinha rápida com ele.
"Mas Débora, fala em alemão, esse povo todo aqui entende inglês". Falar naquele idioma era uma arma dupla: além de não permitir que o pessoal do hotel nos entendesse, isso talvez conseguisse impor mais respeito e levantar menos suspeitas sobre a gente. Mas como ninguém consegue falar alemão sem gritar e sem parecer que está brigando (rs), em pouco a Débora já estava fazendo com que todo o hotel parasse pra olhar pra ela: a única voz do saguão conversando alto naquela língua estranha, e eu torcendo pra que realmente ninguém mais soubesse alemão por ali.
Durante a ligação, um segurança aborda a gente. "Vocês estão esperando alguém?" Só um minuto, estamos num telefonema. Ele fica por ali, e eu já preocupada. Débora desliga o telefone, começamos a falar baixinho em inglês durante um tempo, combinando os próximos passos. Mais uma vez o segurança vem. "Vocês estão esperando alguém?" E eu, tentando parecer o mais lady possível, pergunto num tom quase ofendido mas altivo, olhando bem pro homem: "Tem algum problema ficarmos aqui?". E ele desconfiado: "Vocês não são fãs não, né? Não tão ligando pra mais gente vir, estão?". Falar a verdade: "Nós somos estudantes de Jornalismo, viemos entrevistar a banda", disse eu num tom extremamente polido, derrubando por terra toda a minha postura ao sacar do bolso minha carteirinha de estudante surrada guardada num daqueles porta-carteiras de plástico fulerage (mas super-úteis pra não quebrar a carteirinha no bolso, gente). "Tá aqui, Comunicação Social - UFC". E a Débora, prevenida, abre a pasta com o portfólio do curso e mostra o mais recente número do Jabá: "É pra esse jornal aqui, ó". O segurança nos olha, tá, fiquem à vontade. YES! Agora era só esperar o Alan chegar em casa de um almoço fora (será que ele ainda demoraria?) e ligar para a recepção.
Depois de um tempo, enquanto combinávamos algumas perguntas em inglês, o elevador se abre: o guitarrista Emppu sai e simplesmente se senta num sofá atrás da gente. "Débora, puta que pariu, é ele, e agora?" Agora vamos lá, né, respira, telefona pro Alan pedindo pra cancelar a ligação. Um, dois, três.
Apresentação. O Emppu, tímido, aparenta não gostar de burburinhos com imprensa: "Entrevista só com o Tuomas, ele tá descendo pro almoço". Putz! Nessa hora de frio na barriga me chega a lembrança de que eu tinha comido só duas bananas antes de sair de casa às pressas. Com o estômago embrulhado de emoção e fome, puxamos uma conversa off-the-record sobre a turnê, cerveja, bons lugares para comer em Fortaleza, expectativas para o show. Elevador abre: Tuomas, tecladista e líder da banda, acompanhado pelo baterista Jukka.
Depois de uma quase cena de choro por ter perdido as melhores perguntas da entrevista, o boicote da tecnologia acabou sendo superado: aconteceu só pra não dizer que foi tudo perfeito mesmo.